Cinge-se a controvérsia à possibilidade de deduzir-se na apuração do Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ, pela sistemática do lucro real, a soma destinada ao pagamento de montante em razão da prestação de serviços de administradores e conselheiros que não corresponda a valor mensal e fixo.
A Constituição da República estatui que a base de cálculo do Imposto sobre a Renda consiste em "renda e proventos de qualquer natureza" (art. 153, III, § 2º, I), estabelecendo, outrossim: (i) que "será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei" (art. 153, III, § 2º, I); e (ii) o papel normativo da lei complementar em matéria tributária na definição da base de cálculo dos impostos, dentre eles o IR (art. 146, III, a).
A base de cálculo, inquestionavelmente, há sempre de guardar pertinência com aquilo que se pretende medir, não podendo conter aspectos estranhos, é dizer, absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência. A base imponível do tributo em tela, portanto, deverá reportar-se àquele fato de conteúdo econômico inserto na hipótese de incidência tributária, guardando pertinência com a capacidade contributiva absoluta ou objetiva - relacionada aos fatos legislativamente escolhidos por representarem manifestações de riqueza - apreendida pelo legislador. O princípio da capacidade contributiva constitui diretriz central, uma vez que opera como fundamento para a modulação da carga tributária em matéria de impostos (CR, art. 145, § 1º). Como expressão, no campo tributário, de diretiva de maior amplitude, que é a da igualdade, o princípio da capacidade contributiva carrega consigo a plenitude de eficácia normativa atribuída àquele.
Extrai-se da Lei Maior, em síntese, que o mecanismo para a determinação da base de cálculo do IRPJ consistente na dedução deve ser interpretado à luz do apontado conjunto de normas.
Concomitantemente, a moldura normativa infraconstitucional aplicável à dedução de despesas na apuração do lucro real no IRPJ não mais condiciona a dedutibilidade do pagamento dos honorários de administradores e conselheiros de empresas aos requisitos da periodicidade - mensal -, bem como da constância do numerário desembolsado - fixo.
Por primeiro, o ainda vigente Decreto-Lei n. 5.844/1943, que dispõe sobre a cobrança e fiscalização do Imposto sobre a Renda, estabelece a classificação das remunerações relativas à prestação de serviços pelos "conselheiros fiscais e de administração e diretores de sociedades anônimas, civis, ou de qualquer espécie", bem como disciplina a base de cálculo do IRPJ.
Por sua vez, a Lei n. 4.506/1964, ao dispor sobre o IRPJ, estabelece o que integra a receita bruta operacional, bem ainda define como despesas operacionais aquelas "[...] não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e a manutenção da respectiva fonte produtora" (art. 44 e 47, respectivamente), fixando limite de valor para os honorários e retiradas, todavia nada dispondo acerca das antigas condições para os honorários - pagamento fixo e mensal - antes plasmadas no Decreto-Lei n. 5.844/1943.
Por seu turno, a redação, anterior à revogação pela Lei n. 9.430/1996, dos arts. 29 e 30, ambos do Decreto-Lei n. 2.341/1987, dispunha acerca das limitações à dedutibilidade de remuneração de dirigentes
Por fim, a Lei n. 9.249/1995, a par da vedação à dedução de determinadas despesas (art. 13), revogou expressamente, repita-se, os apontados arts. 29 e 30, do Decreto-Lei n. 2.341/1987 (art. 88, XIII), que dispunham acerca do limite quantitativo para a despesa operacional relativa à remuneração mensal dos sócios, diretores e administradores.
No plano infralegal, tanto a Instrução Normativa SRFB n. 93/1997 quanto o Decreto n. 3.000/1999 são consentâneos com a dedutibilidade da despesa com a remuneração pela prestação de serviços de administradores e conselheiros.
Há quem defenda a exigência de que os valores sejam mensais e fixos, pois tal despesa, sem a limitação, seria dotada de tamanha elasticidade que comportaria qualquer coisa, de modo que tudo caberia no conceito de remuneração.
Porém, tal enfoque, normalmente atrelado à categoria da retirada do sócio gerente ("proprietário da empresa"), não guarda identidade com a realidade do administrador profissional (vínculo de subordinação), o qual não detém governabilidade sobre a própria remuneração, à luz das normas societárias, dentre as quais, a estampada na Lei n. 6.404/1976, denominada "Lei das Sociedades Anônimas".
No tocante ao aspecto material da hipótese de incidência, o art. 43 do CTN, ao definir os conceitos de renda e proventos, não destoa do conceito constitucional. Pressupõe-se, de igual modo, tal harmonia normativa em relação às disposições atinentes à dedução de valores da base de cálculo da exação, justamente pela imperativa necessidade de correlação lógica entre a base imponível indicada pela lei e o aspecto material da hipótese de incidência.
O IRPJ, à luz do disposto no art. 44 do CTN, é mensurado pela sistemática do lucro real, presumido ou arbitrado, sendo a primeira modalidade de base de cálculo a regra, a qual consiste, singelamente, no lucro líquido, com alguns ajustes, adições etc.
Voltando o olhar especificamente para o instituto da dedução, inserto no bojo do mecanismo da apuração do lucro real, é desnecessário que a lei preveja a dedutibilidade daquilo que, aprioristicamente, não se compatibiliza com a própria materialidade do IRPJ.
Logo, a indedutibilidade de despesa é que enseja previsão legal, porque constitui exceção no contexto da definição do elemento quantitativo da exação, sob pena de desatendimento do comando normativo constante dos arts. 150, I, da Constituição da República, e 97, IV, e § 1º, do Código Tributário Nacional, porquanto tal circunstância traduziria aumento indireto de tributação.
Restrições à dedução da soma destinada ao pagamento da remuneração em razão dos serviços prestados pelos administradores e conselheiros, calcadas no argumento de que se estaria visando coibir a evasão fiscal, segundo a doutrina, seriam anacrônicas, pois não mais existiria a razão histórica que justificou adicionar à base de cálculo do IR-PJ, o excesso de remuneração de diretores e administradores profissionais. Isso porque as primeiras disposições legais impeditivas de deduções datam de épocas antigas, nas quais o cenário empresarial era totalmente diferente do atual - época das empresas de famílias e dos dirigentes integrantes dessas famílias -, sendo que atualmente mesmo as empresas familiares se agigantaram e em geral estão sob gerência profissional, enquanto as menores enveredam pelo lucro presumido ou mesmo pelo regime do SIMPLES, no qual em nada importam os custos e as despesas existentes ou não. Ademais, havendo desde 1996 isenção na distribuição de lucro, não é em todo caso que interessa disfarçar um lucro efetivo em outro tipo de custo ou despesa que, para o receptor, passa a ser renda tributável.
Portanto, o mecanismo da dedutibilidade não deve condicionar exegese que despreze as molduras constitucional e legal fundamentais da tributação do Imposto sobre a Renda, desfigurando a sua materialidade, inclusive quanto ao decréscimo patrimonial.
À vista da ausência de precedente específico acerca da matéria em debate neste Superior Tribunal de Justiça, destaca-se o entendimento desta Corte em relação à base imponível do IRPJ, segundo a qual é vedada a tributação fundada em atos normativos infralegais. De igual modo, a Segunda Turma deste Tribunal Superior assentou, há muito, na linha do que já assinalava abalizada doutrina a impropriedade da criação de óbices à dedutibilidade por interpretação jurídica ou veiculados por atos infralegais.
Dessarte, revela-se inaceitável restringir, mediante ato administrativo normativo (IN SRFB n. 93/1997), a legítima dedutibilidade da apontada despesa com a remuneração pela prestação de serviços de administradores e conselheiros.
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